Mises, o fascista: o que é visto (um “argumento”) e o que não é visto (o absurdo)

por Guillermo Sanchez (post original aqui)

Tradução e adaptação: Ícaro Oliveira

Revisão: Daniel Castro

Quantas vezes você já ouviu o argumento “Mises era um fascista”? Essa é a maneira fácil que alguns esquerdistas descartam um oponente em muitas ocasiões: chamando tudo e todos que não são da esquerda, de extrema-direita (fascista ou nazista) sem nenhuma evidência convincente, somente porque é mais fácil rotular do que argumentar. Bem, esse caso foi refutado muitas vezes por excelentes autores[1], mas a melhor e mais completa refutação é o excelente livro de Ralph Raico, Classical Liberalism and the Austrian School. (sem tradução em português) [2]

Uma das definições de estupidez é “Ausência de discernimento” ou “sem inteligência; asneira.”. (http://www.dicio.com.br/estupidez/ ) No caso do argumento “Mises, o fascista”, isso se encaixa muito bem. Eu intitulei esse post fazendo referência a Bastiat (http://www.econlib.org/library/Bastiat/basEss1.html) porque em todo fórum, blog, seção de comentários ou até publicações acadêmicas ou livros que sejam alegados como “sérios”, está presente o mesmo padrão dessa ridícula e tola forma de argumento.
1. A falácia da citação fora de contexto
A esquerda comumente usa esse tipo de falácia (http://www2.uol.com.br/aprendiz/n_colunas/f_litto/id021002b.htm#11) para vencer um debate. E o caso de Mises, é quase uma ilustração disso. Mas vamos ser justos. É perfeitamente possível uma pessoa não-esquerdista (austríacos, libertários, conservadores, Fascistas, etc) também apelar para essa falácia nesse ou em outros assuntos. Em cada caso, isso deve ser demonstrado da maneira que é usada e, depois disso, deve ser desmascarada. Agora vamos para o assunto do post – todo anti-austríaco irá mostrar essa frase de Mises:
“Não se pode negar que o fascismo e movimentos semelhantes, visando ao estabelecimento de ditaduras, estejam cheios das melhores intenções e que sua intervenção, até o momento, salvou a civilização europeia. O mérito que, por isso, o fascismo obteve para si estará inscrito na história.” [3]

Se você olhar com atenção para esse parágrafo, a primeira coisa que irá notar é que é o último parágrafo de uma capítulo inteiro. O que Mises disse em toda a seção? Esse capítulo se chama “As razões do fascismo” e nele você encontra coisas como estas:

“A ideia fundamental desses movimentos (os quais, com base no nome do mais grandioso e ferrenhamente disciplinado deles, o italiano, podem ser designados, em geral, como fascistas) consiste na proposta de fazer uso dos mesmos métodos inescrupulosos na luta contra a Terceira Internacional, exatamente como esta faz contra seus oponente. (…)
O grande perigo que ameaça a política interna na perspectiva do fascismo reside na sua total fé no decisivo poder da violência. Para assegurar o êxito, deve-se estar imbuído da vontade de vencer e de sempre proceder de modo violento. É este o mais alto princípio (…)
(…) porque os fascistas nada fazem para combatê-los, a não ser suprimir as ideias socialistas e perseguir quem as divulgue. Se, de fato, quisessem combater o socialismo, deveriam opor-lhe suas ideias. No entanto, há apenas uma ideia que pode, efetivamente, opor-se ao socialismo, isto é, o liberalismo (…)
(…)A repressão pela força bruta é sempre a confissão da incapacidade de fazer uso do melhor, isto é, das armas do espírito – melhor, porque somente elas prometem o êxito final. É este o erro fundamental de que padecem os fascistas e que, em última análise, causará sua derrocada. (…)
(…) Tanta discussão para a política interna do fascismo! Não merece maiores considerações o fato de que a política externa do fascismo, baseada no reconhecido princípio da força nas relações internacionais, não pode deixar de causar uma série de conflitos internacionais que, necessariamente, destruirão toda a civilização moderna. “ (os negritos e itálicos foram feitos pelo autor do post).
Fascistas são apenas um grupo de reacionários violentos ao comunismo soviético, sem qualquer ideia sustentável, tudo o que eles podem fazer é se opor por meio da força, usando os mesmos métodos que os russos. Mises é quase maçante em afirmar que para combater o comunismo, a violência é completamente inútil. É no campo das idéias que eles serão derrotados.
Como Raico refutou brilhantemente: A citação veio de um capítulo dedicado em ATACAR o Fascismo. [4] Mises nunca endossou o fascismo. Sim, você leu direito: Mises nunca endossou o fascismo. Ele apontou claramente que é uma ideologia anti-liberal próxima ao dos bolcheviques.
A fim de demonstrar o quão ridículos, desonestos e estúpidos são esses argumentadores (veja a definição do dicionário acima) que usam esse tipo de falácia, vamos aplicar isso para outro autor. Quem disse isso?

“A burguesia revelou como a brutal manifestação de força na Idade Média, tão admirada pela reação, encontra seu complemento natural na ociosidade mais completa. Foi a primeira a provar o que pode realizar a atividade humana: criou maravilhas maiores que as pirâmides do Egito, os aquedutos romanos, as catedrais góticas; conduziu expedições que empanaram mesmo as antigas invasões e as Cruzadas.
(…)Devido ao rápido aperfeiçoamento dos instrumentos de produção e ao constante progresso dos meios de comunicação, a burguesia arrasta para a torrente da civilização mesmo as nações mais bárbaras. Os baixos preços de seus produtos são a artilharia pesada que destrói todas as muralhas da China e obriga a capitularem os bárbaros mais tenazmente hostis aos estrangeiros. Sob pena de morte, ela obriga todas as nações a adotarem o modo burguês de produção, constrange-as a abraçar o que ela chama civilização, isto é, a se tornarem burguesas. Em uma palavra, cria um mundo à sua imagem e semelhança (…)
(…)A burguesia, durante seu domínio de classe, apenas secular, criou forças produtivas mais numerosas e mais colossais que todas as gerações passadas em conjunto (…)” (negrito, realce de cor e itálicos foram feitos pelo autor do post)

Uau! Quem no mundo inteiro pode ser tão grato, tão cândido, tão expressivo, tão vívido a fim de exaltar as virtudes da burguesia e capitalismo? É ele ou ela um conservador? Libertário? Conservador? Republicano? Algum tipo de reacionário mercenário pago pelos banqueiros burgueses para defendê-los? Bem, surpresa! É o nosso amigão Karl Marx e o seu fornecedor, o industrialista (e possível explorador?) Engels. [5]
Agora, alguém pode realmente dizer que Marx era um defensor do sistema capitalista naquele texto? Nós podemos chamá-lo de “Marx, o explorador” ou “Marx, o Fascista”? Podemos falar que o Manifesto Comunista era uma defesa intelectual da burguesia? Não! Todos iriam me acusar de deliberadamente escolher uma citação, totalmente fora de contexto, para distorcer o que Marx estava dizendo. Como eu poderia chegar a uma conclusão tão estúpida? Por cometer a básica e estúpida falácia para “convencer”(=enganar) meus leitores.

Bem, o caso “Marx defensor do capitalismo e burguesia” é exatamente o igual ao caso “Mises defensor do fascismo”: uma tentativa ridícula de mostrar alguém dizendo alguma coisa que ele não sei apelando para uma falácia lógica de baixa categoria.
Isso é tudo sobre esse “assunto da citação”. Não existe mais o que discutir nesse assunto devido à falta de coerência lógica e honestidade intelectual aos apoiadores dessa “prova”. Qualquer um que levantar a voz dizendo “Mises era um fascista” por causa dessa citação, deve necessariamente admitir que, usando sua própria pseudo-lógica, Marx era um capitalista e um defensor da burguesia.
2. A falácia da culpa por associação
O segundo modo desse “argumento” falacioso (http://pt.wikipedia.org/wiki/Argumentum_ad_hominem) que estas pessoas têm, é o “você tem a ideologia das pessoas que você aconselha”. Isso consiste em acusar ou enredar que Mises era ou poderia ser um fascista pois era conselheiro [6] Engelbert Dollfuss, (http://pt.wikipedia.org/wiki/Engelbert_Dollfuss) um intervencionista e fascista (embora não Nazista! Ele na verdade foi morto por eles) governante austríaco.
Embora o fato que, em si mesmo, o fato de usar essa falácia desacredita e refuta essa acusação, mais uma vez, a fim de ver o quão ridícula essa acusação é, nós temos que aplicar o mesmo princípio para uma situação similar.
Todos sabem que no período de 1918-19 depois do caos devido à derrota da Primeira Guerra Mundial, os países europeus começaram a entrar no “sonho” bolchevique. Na Áustria, o homem a cargo de trazer a revolução bolchevique para casa era o teórico, político e marxista austríaco Otto Bauer (http://pt.wikipedia.org/wiki/Otto_Bauer). Alguns anos antes, Bauer freqüentou (http://migre.me/nwV2C) ao (http://migre.me/nwV8j) seminário de Böhm-Bawerk para tentar obter conhecimento e desafiar a completa refutação e demolição (http://mises.org/library/karl-marx-and-close-his-system) da teoria marxista de Bawerk. Lá ele conheceu Mises. No período caótico de 1918-19 Mises foi muito mais do que um “assessor próximo” de Bauer, ele foi um amigo. Mises gastou, na verdade, muitas noites convencendo (http://mises.org/library/education-austro-marxist) Otto e sua esposa para não levar a Áustria para o lado bolchevique, como muitos países, a Hungria, por exemplo, fizeram depois da Primeira Guerra. Ele conseguiu convencê-lo, e salvou a Áustria da administração catastrófica e caótica dos bolcheviques fanáticos. [7]
Como você leu, Mises aconselhou um político, socialista, marxista e pró-bolchevique. Alguém poderia nas suas perfeitas faculdades mentais, insinuar que, por causa disso, Mises era um socialista? Existe um fator em comum entre Mises aconselhar um socialista marxista e depois disso um fascista intervencionista? Sim! Ele estava tentando fazer o melhor para o seu país [8]. Ele tentou evitar o caos econômico dos bolcheviques primeiro, e depois tentou evitar a dominação nazista.
Nós vemos o quão estupidamente ridículo é chamá-lo de fascista porque ele aconselhou Dollfuss, e não chamá-lo de marxista-socialista por aconselhar Bauer. A estupidez e contradição da falácia da culpa por associação é evidente. Esse não é um argumento, de qualquer maneira. Não se pode ser levado a sério.

Outro caso: Milton Friedman aconselhou (http://www.libertylawsite.org/2012/05/04/milton-friedmans-work-free-men-and-free-markets/) os líderes da China Comunista em 1980. Então, como Milton aconselhou os comunistas, nós podemos dizer que Friedman era um comunista ou simpatizante do Comunismo apenas por que ele aconselhou um governo comunista? Não! [9]
Mais um: Karl Marx aconselhou o manufator-burguês-“explorador” (http://migre.me/nwVlr) Friedrich Engels. Podemos dizer que Marx um apologista do capitalismo apenas por que ele aconselhou um “capitalista”?

Todas essas conclusões ridículas são mais do que suficientes para enterrar essa maneira falaciosa de argumentação.
Outros comentários sobre a citação fora de contexto
 O que Mises queria dizer com “civilização”?

“A história da propriedade privada dos meios de produção coincide com a história do desenvolvimento da humanidade, desde sua condição animalesca até as alturas da moderna civilização (…)
(…) O fundamento de toda e qualquer civilização, inclusive a nossa, é a propriedade privada dos meios de produção. Quem quer que busque criticar a moderna civilização, portanto, começa pela propriedade privada”. [10]
Por “civilização” Mises se referia à “propriedade privada”. Se você atacar a propriedade privada, você está atacando a civilização. Agora, que grupo de fanáticos era explicitamente contra a propriedade privada naquele tempo (e quem sabe agora)? Hummmm… Talvez os bolcheviques! Qual grupo de fanáticos era explicitamente contra os bolcheviques e os combatia violentamente? Eu não sei… Talvez os fascistas!

Logo, combatendo o comunismo, Fascistas evitaram uma revolução que teria proibido a propriedade privada. Isso não (eu destaco: NÃO) é uma opinião sobre o Fascismo, é um fato histórico: nesses caóticos e tumultuados anos pós-Primeira Guerra na Europa, a alternativa era escolher entre revolucionários bolcheviques (que tiveram o grande impulso dado pela recém estabelecida Rússia Soviética) ou outro grupo, não menos violento que estes, que alegaram combate e se opuseram a eles. Séculos de civilização não podem ser apagados em alguns anos, então as pessoas apoiaram qualquer grupo de pessoas que prometesse não roubar todas as suas escassas propriedades (graças à guerra) uma vez que estivessem no poder.
“[Os fascistas] ainda não puderam desvencilhar-se de modo tão cabal como os bolcheviques, russos, de qualquer consideração por noções e ideias liberais e por tradicionais preceitos éticos, deve ser atribuída, tão somente, ao fato de que os fascistas atuam em países nos quais a herança intelectual e moral de milhares de anos de civilização não pode ser destruída num piscar de olhos e não entre povos bárbaros de ambos os lados dos Urais, cuja relação com a civilização nunca foi mais do que a de habitantes predadores da floresta e do deserto, acostumados a se envolverem, de tempos em tempos, em pilhagem de terras civilizadas, na caça à sua presa.” (os negritos e itálicos foram feitos pelo autor do post). [11]
Gostando você ou não, é um outro fato histórico que as pessoas (estou falando sobre as pessoas em geral. Não é o caso de Mises, particularmente) aprovaram e apoiaram um fascismo violento como uma reação contra as atrocidades dos bolcheviques. E essa descrição da realidade (que não é a mesma coisa que “apoiar o fascismo”), naqueles anos, era conhecida por Mises:
“(…) Foi apenas pela impressão recente, deixada pelos assassinatos e atrocidades perpetrados pelos adeptos dos soviéticos, que os alemães e italianos foram capazes de bloquear a lembrança das tradicionais restrições da justiça e da moralidade e de encontrar incentivo para represálias sangrentas. As ações dos fascistas e de outros partidos que lhe correspondiam eram reações emocionais, evocadas pela indignação com as ações perpetradas pelos bolcheviques e comunistas.
(…)Muitas pessoas aprovam os métodos fascistas, muito embora seu programa econômico seja totalmente antiliberal e a política econômica totalmente intervencionista, porque está longe de praticar o vandalismo que tem caracterizado os comunistas como os arqui-inimigos da civilização. Ainda outros, completamente conscientes do mal que a política econômica fascista encerra, consideram o fascismo, em comparação com o bolchevismo e o sovietismo, pelo menos, um mal menor. Para a maioria de seus defensores públicos e secretos e de admiradores, entretanto, seu poder de atração consiste, precisamente, na violência de seus métodos. (…)
(…)O fascismo pode triunfar, hoje, porque a indignação universal contra as infâmias cometidas pelos socialistas e comunistas lhes concedeu as simpatias de largos círculos. (…)” [12]
Raico explica: “Milhões na classe média foram convencidos que o bolchevismo estava a ponto de sobrecarregar o país.” Depois disso, Raico avança com uma brilhante descrição do contexto histórico de como a revolução estava “na porta” naqueles anos. Então, não há nada o que se discutir aqui. Descrever um episódio histórico não é justificar ou desejar pelo fascismo ou qualquer outra ideologia assassina.
 A parte “cheia de boas intenções”

Essa frase isolada poderia significar que Mises estava louvando o fascismo? Claro que não. Vamos ver outros exemplos:
“Antes do surgimento do liberalismo, até mesmo filósofos de ideais magnânimos, fundadores de religiões, clérigos movidos pela melhor das intenções, estadistas, que sem dúvida amavam seu povo, encaravam a servidão de parte da raça humana como uma instituição justa, geralmente útil e totalmente benéfica (…)
(…)Verificamos que, ao abrirmos mão do princípio de que o estado não deve interferir em quaisquer questões que tocam o modo de vida do indivíduo, terminamos por regulá-lo e restringi-lo aos mínimos detalhes. Abole-se a liberdade pessoal do indivíduo! Ele se torna um escravo da comunidade, obrigado a obedecer aos ditados da maioria. Não é necessário divagar sobre as maneiras pelas quais tais poderes poderiam ser utilizados até ao abuso por autoridades malévolas. O exercício de poderes desse tipo, mesmo por homens imbuídos das melhores intenções, necessariamente, reduziria o mundo a um cemitério do espírito (…)” [13]

Até mesmo quando Mises disse que escravagistas eram “movidos pela melhor das intenções” e “sem dúvida amavam seu povo”, ele estava descrevendo um fato histórico. Alguém poderia realmente pensar que Mises era favorável à escravidão? Se você responder que sim, então você deveria ler novamente. Quando Mises diz que pessoas empunhadas de poderes excessivos podem estar “imbuídas das melhores intenções”, pode alguém razoável afirmar que Mises era a favor de ditadores? Não.

Para Mises, as intenções ou fins eram irrelevantes quaisquer sejam elas. O assunto mais importante eram os meios. Mises demonstrou isso em todos os seus livros como, mesmo assumindo as melhores intenções, os meios podem ser totalmente incorretos para conquistar objetivos. Nós já vimos como Mises condenou os meios violentos dos fascistas e como ele ressaltou que o comunismo deve ser combatido e derrotado (o fim a ser conquistado) no campo das idéias. Bolcheviques disseram que buscavam por igualdade e o fim da miséria para o seu povo, Hitler disse que ele queria o melhor para a sua nação. Eu realmente duvido que qualquer líder político nos seus discursos de campanha ou na sua oratória já disse “nós enviaremos para a câmara de gás qualquer judeu (http://pt.wikipedia.org/wiki/Holocausto) na Alemanha pela glória da nação! Votem em mim!” ou “Para atingir a igualdade, nós vamos matar sete milhões de pessoas na Ucrânia de inanição! (https://www.youtube.com/watch?v=HjcO4tcobc0) Nos apoiem!”. Nenhum ditador jamais alcançou ou manteve poder por não conquistar seu próprio povo, isso nunca aconteceu. Ditadores e políticos sempre têm a mais nobre e as melhores intenções e, para conquistá-los, ocasionalmente tornam-se os maiores assassinos. As pessoas não apoiariam o que elas pensam ser “más intenções”. As pessoas votaram e apoiaram aquelas ideologias radicais, pois pensavam que elas iriam ajudá-las. Até socialistas têm boas intenções. [14]

 A parte “até o momento”

Mises claramente disse que “até o momento” o movimento fascista salvou a civilização (propriedade privada). Logo após a sentença “inscrito na história”, você tem isso:
“(…)Porém, embora sua política tenha propiciado salvação momentânea, não é do tipo que possa prometer sucesso continuado. O fascismo constitui um expediente de emergência. Encará-lo como algo mais seria um erro fatal(…)”
Ele claramente disse que as pessoas (não ele!) viram o fascismo como “uma salvação momentânea”. Mas ele claramente implica que o fascismo não seria uma solução sustentável no futuro. Ele esta fazendo uma descrição de um momento histórico (o que as pessoas pensavam ou como elas viam isso naquele momento), ele não está endossando que o fascismo era alguma solução. Como Jeffrey Tucker brilhantemente disse:
“Mises claramente condena essa visão, ressaltando que isso é um puro acidente histórico; que o fascismo é menos mau do que o comunismo. Ambas são ideologias de violência que rejeitam o liberalismo – a mesma coisa que Mises procurou defender contra o socialismo e fascismo. O comunismo foi apenas mais desenvolvido; Mises prevê que o fascismo acabará sendo o mesmo.”

Conclusão

Como visualizamos, os “argumentos” usados para acusar Mises de ser um fascista são falhos por duas falácias básicas: a falácia da citação fora de contexto e a culpa por associação. Não se pode fazer um caso sério sobre isto.
Para acusar Mises citando uma frase fora de contexto advinda de um capítulo que ataca o fascismo é tão ridículo quanto tentar “provar” que Marx era um promotor do capitalismo usando outra citação fora de contexto usando um texto dedicado a denunciar os supostos defeitos do capitalismo.
Ao dizer que Mises era um fascista ou que ele tinha simpatia pelo fascismo pois aconselhou um fascista-intervencionaista (que era contra nazistas) como Dollfus, necessariamente se implica que Mises era um socialista pois aconselhou um marxista pró-bolcheviques como Bauer, um rótulo totalmente ridículo. É a mesma “lógica” da acusação que a faz estupidamente ridícula.
Mises nem endossou ou apoiou o fascismo de qualquer maneira. A “evidência” usada pela esquerda para acusar disso é falha, falaciosa e ridícula, especialmente quando aplicada em outros casos.
Notas de rodapé

[1] Veja a nota de rodapé 3 aqui (http://mises.org/library/good-fascists-and-bad-fascists#note3), também o historiador austríaco Erik Ritter von Kuehnelt-Leddihn, “The Cultural Background of Ludwig Von Mises”(http://mises.org/pdf/asc/essays/kuehneltLeddihn.pdf). Também Rothbard, Murray N. “The Laissez-Faire Radical: A Quest for the Historical Mises” (http://archive.lewrockwell.com/rothbard/rothbard169.html#_ftn3) e Jeffrey Tucker aqui (artigo não encontrado pelo tradutor)
[2] Raico, Ralph. Classical Liberalism and the Austrian School (http://mises.org/sites/default/files/Classical%20Liberalism%20and%20the%20Austrian%20School_2.pdf) as páginas 255-300 que contém sua dissertação “Mises on Fascism, Democracy, and Other Questions” (http://mises.org/document/1862/Mises-on-Fascism-Democracy-and-Other-Questions)
[3] Mises, Ludwig von. Liberalismo (1927) página 77. Versão utilizada pelo tradutor (http://www.mises.org.br/files/literature/Liberalismo%20Segundo%20a%20Tradi%C3%A7%C3%A3o%20Cl%C3%A1ssica%20-%20WEB.pdf). Versão em ingles (http://mises.org/document/1086/) página 51.
[4] “It should also be made clear that the excerpt from Mises occurs in the context of an attack on Italian Fascism. Mises criticized and rejected Fascism on a number of crucial grounds…” Raico, Ibid. Página 261.
[5] Marx, Karl. e Engels, Friedrich. “Manifesto do Partido Comunista”. Versão utilizada pelo tradutor) (http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_fontes/acer_marx/tme_07.pdf). Versão em inglês postada nos rodapés do texto original (http://www.marxists.org/archive/marx/works/1848/communist-manifesto/index.htm)
[6] “In addition to his books on Austrian wartime history, Jagschitz wrote his doctoral dissertation on Engelbert Dollfuss, the Austrian Chancellor who tried to prevent the Nazis from taking over Austria. During this period Mises was chief economist for the Austrian Chamber of Commerce. Before Dollfuss was murdered for his politics, Mises was one of his closest advisers.” Hoppe, Hans-Hermann. “The Meaning of the Mises Papers” (http://mises.org/library/meaning-mises-papers)
[7] Mises, Ludwig von. Memoirs (http://mises.org/sites/default/files/Memoirs_2.pdf ) page 13-16. And Rothbard, Murray N. “Ludwig von Mises: Scholar, Creator, Hero” (http://mises.org/library/ludwig-von-mises-scholar-creator-hero-0)
[8] “Given the opposition Mises encountered at the university, he looked for steady employment in the Handelskammer, the semi-official Chamber of Commerce. After 1920, the Austrian government was mostly in the hands of the Christian Social Party, a Clerical-Conservative party, which eventually fathered the dictatorship of Dollfuss and his Patriotic Front. This party had to fight the international socialists, and, later, the National Socialists. Mises, as an agnostic and a genuine Liberal, had no innate enthusiasm for the Christian Socials, but, judging Austria’s precarious situation dispassionately, knew that a decent, responsible man had to collaborate with that government.” (itálicos feitos pelo autor) Erik Ritter von Kuehnelt-Leddihn, Ibid.

[9] É verdade que Mises em uma ocasião chamou Friedman de “um socialista”. (https://www.youtube.com/watch?v=tkQfK8hn0ds) Mas ele chegou a essa conclusão após ouvir cada argumento que Friedman teve ao justificar as políticas governamentais de “distribuição de renda”. Mises nunca utilizar-se de um argumento falacioso de baixo escalão que alguns escritores usam contra ele hoje. Ele nunca usou as falácias de culpa por associação ou citação fora de contexto.

[10] Mises, Ibid. página 88

[11] Mises, Ibid. página 75

[12] Mises, Ibid. página 75-76.

[13] Mises, Ibid. página 79.

[14] Veja Hayek, Friedrich von. “The Intellectuals and Socialism” (http://mises.org/sites/default/files/Intellectuals%20and%20Socialism_4.pdf) : “A proper understanding of the reasons which tend to incline so many of the intellectuals toward socialism is thus most important. The first point here which those who do not share this bias ought to face frankly is that it is neither selfish interests nor evil intentions but mostly honest convictions and good intentions which determine the intellectual’s views. In fact, it is necessary to recognize that on the whole the typical intellectual is today more likely to be a socialist the more he his guided by good will and intelligence, and that on the plane of purely intellectual argument he will generally be able to make out a better case than the majority of his opponents within his class.”

Esse post foi publicado em Filosofia, Libertarianismo e marcado , . Guardar link permanente.

12 respostas para Mises, o fascista: o que é visto (um “argumento”) e o que não é visto (o absurdo)

  1. Carlos Eduardo disse:

    “escravagistas eram ‘movidos pela melhor das intenções’ e ‘sem dúvida amavam seu povo'” Sério que vocês idolatram um cara que disse essa merda? Vocês são doentes!

    Curtido por 2 pessoas

  2. Daniel Castro disse:

    Não idolatramos ninguém, e a resposta ao seu comentário apressado está no texto: “Até mesmo quando Mises disse que escravagistas eram “movidos pela melhor das intenções” e “sem dúvida amavam seu povo”, ele estava descrevendo um fato histórico. Alguém poderia realmente pensar que Mises era favorável à escravidão? Se você responder que sim, então você deveria ler novamente.”

    Abraços.

    Curtir

    • Dias disse:

      Acumular riquezas e poderio através de trabalho escravo, ou seja, subvalorizar a força de trabalho, não implica amar seu povo ou ter boas intenções, existe um erro de interpretação crasso no que o próprio Mises disse. Proprietários dos meios de produção não escravizaram e escravizam porque amam seu povo, ou defendem eugenia, ou somente para defender a sua própria classe, em suma esse proprietário visa manter a sua propriedade, somente isso, a escravidão é uma ferramenta para auxiliar no acúmulo de capital e não pra auxiliar o seu povo

      Curtir

      • Daniel Castro disse:

        O texto se refere a escravagistas no sentido tradicional da palavra, não no sentido orwelliano dela, no qual associações voluntárias patrão/empregado seriam supostamente coercivas.

        Curtir

      • Nychollas Cardozo disse:

        Na verdade, se ele estiver se referindo ao período escravagista norte-americano, tem a ver sim com eugenia, com preconceito racial e de crenças. Gilberto Freyre aponta isso como diferença tanto pro desenvolvimento da economia colonial, como pra sociedade. Os sulistas norte-americanos não se misturavam com os negros e indígenas porque levavam a sério a ideia ariana, de origem católica, do norte da Europa. Os portugueses e espanhóis, por outro lado, tinham somente o preconceito de crenças com os negros indígenas, pelo contato que tiveram anteriormente com os mouros (árabes muçulmanos) na península ibérica, durante a expansão árabe. Isso explica a ampla mestiçagem existente no Brasil, a miscigenação, algo que não se vê hoje nos EUA. Lá, como categoricamente afirma Freyre, famílias brancas se conservaram ‘puras’ por diversas gerações, enquanto que aqui, logo que Pedr’álvares chegou e alguns de seus marinheiros fugiram, já houve a mistura, tanto pelo caráter sexualizado dos mouros, quanto pela ausência de preconceito racial. A escravidão foi sim uma ferramenta para auxiliar no acúmulo de capital, mas não somente isto. As bases que justificam esta ferramenta estão solidificadas em preconceito de origem racial e religiosa. Se fosse apenas por ser uma ferramente útil, na Id. Média teríamos uma sociedade escravocrata, mas não, nesta época tivemos o feudalismo e suas devidas relações sociais de servidão.

        Curtir

  3. Veron disse:

    Ótimo artigo.

    Curtir

  4. diabo disse:

    Falta de interpretação é o que falta.

    Curtir

  5. Leônidas Fernandes disse:

    É,falta a parte em que os liberais andam de mãos dadas com eugenistas,fosse na Europa ou nos Estados Unidos. Quando digo “liberais”,também me refiro a toda estrutura de instituições distinta,bancos e corporações. O curso da História desmente o próprio Mises.

    Em relação à “justiça” da escravidão,isso é sem comentários.

    Curtido por 1 pessoa

  6. Leônidas Fernandes disse:

    “Não ceder ao mal” era o lema de Mises… mas as práticas na Áustria,por parte dele,e no resto do mundo pelas mãos dos demais liberais econômicos,não são tão benevolentes assim. Apoiar ditaduras para impedir que outra ditadura assumisse;matar e perseguir para impedir que outra ditadura fizesse o mesmo.

    Curtido por 1 pessoa

  7. Marcos Gonzales Ratier disse:

    Acreditem se quiser, tem um cara usando as mesmas citações soltas de Mises para tentar “provar” que ele é fascista. Eu nem tinha lido este texto, mas foi fácil refutar o sujeito, já que uma das citações que o burrão apresentou ele nem lembrava (ou nem tinha lido o livro mesmo) que mais para frente o Mises fazia uma defesa da liberdade individual, algo que deixa claro que Mises não apoiava o Fascismo, pois se apoiasse o fascismo seria um coletivista e não apoiaria o individualismo, algo que esta diametralmente oposto ao Fascismo.

    Curtir

Deixe um comentário